Terça-feira, 3 de Junho de 2008

Receita de ginjinha da avó Isabel (ou como apanhei a minha primeira piela !)

 

 

Segundo escreve a historiadora Gabriela Carvalho no seu magnífico livro A Baixa de Lisboa -espaço de memória, local de encontro, com lindíssimas fotos de Homem Cardoso, a Ginjinha do Rossio foi fundada em 1840 e a sublinhar a decoração das portadas, ainda da época, alguns versos do mais fino teor:

 

                               É mais fácil com uma mão

                               dez estrelas agarrar

                               fazer o sol esticar

                               reduzir o mundo a grude

                               mas ginja com tal virtude

                               é difícil encontrar.

 

Pronto, já posso desfazer a vénia.

Esta coisa de escrevermos enquanto fazemos a 'devida vénia' quando citamos alguém é muito incómodo para as cruzes...

 

Voltemos às ginjinhas.

Foi com elas que apanhei a minha primeira piela.

A primeira vez que as provei foi exactamente na Ginjinha do Rossio.

Entrámos, eu e o meu pai, e ele pediu uma ginjinha e um capilé para a miúda !

Acho que hoje já não há capilé como aquele...

Mas foi então que aquela ginjinha, gorda, castanha, brilhante, ficou a descoberto no cálice do meu pai.

- Ó pai dá-me a ginjinha.

O meu pai hesitou, afinal eu teria para aí uns 8 anos.

 - Dá lá...

E ele deu.

Com a boca ainda doce do sabor a caramelo do capilé o primeiro impacto foi de arrepio, de ardor.

Mas depois gostei.

So far so good...

 

Ora acontece que todos os anos a minha avó Isabel fazia dois licores - de tangerina e de ginja.

O de tangerina não tinha nada que saber. Muitas vezes ajudei a tirar a parte branca das cascas. Depois era só aguardente, açúcar e tempo.

Já o das ginjinhas tinha muito enredo.

Começa que era feita com álcool muito fraquinho, para aí a 30º.

Lembra-me de ela dar a receita a muita gente:

O mesmo de ginja que de álcool, o dobro de açúcar, ou seja meio quilo de ginja, meio litro de álcool, um quilo de açúcar

Mas no ritual da receita é que estava o segredo. A magia,o mistério, alquimia.

A garrafa da ginjinha era grande e tinha a boca larga.

Primeiro entravam as ginjinhas com o álcool.

Rolha, garrafa tapada mais de um mês.

Passado esse tempo ela levava ao lume uma caçarola com água e quase o açúcar todo, com dois paus de canela e uns 3 cravinhos da India, e deixava ferver uns minutinhos.

Depois vinha o bem bom.

Numa frigideira o restante açúcar e um pouco de água iam ao lume até ficarem em ponto de caramelo.

Bem dourado, quase castanho para dar ainda mais cor ao licor.

Tudo misturado para dentro da garrafa (menos a canela e o cravinho senão amarga.)

E tempo.

Que lá em casa não lhe davam muito.

O licor desaparecia e ficavam ali, amontoadas, solitárias, as ginjinhas.

Um dia acabei-lhes com a solidão.

O mal tinha sido provar aquela outra. A primeira. A do Rossio.

De Mundo de Aventuras na mão fui-me a elas. O Mandrake com o seu fiel Lotário. eram os maiores...fui lendo e fui comendo, quando a minha avó descobriu já só havia um montão de caroços e uma neta meio agoniada, cabeça zonza e um estúpido sorriso nos lábios !

A garrafa da ginjinha passou a estar fechada a sete chaves.

Mas eu sabia onde elas estavam...

 

 

sinto-me: zonza só com a lembrança
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