Domingo, 6 de Julho de 2008

Claustrofobia a céu aberto !

Ele chegou sem eu quase dar por isso.

Sentou-se ao alcance do meu braço se eu o estendesse para ele.

Pareceu nem reparar no meu olhar reprovador ou, então, sou eu que já não sou tão boa naquele meu olhar dardejante do 'chega para lá' !

Pôs-se muito à vontade e, de imediato, quase com urgência, abriu a Bola.

A testa franzida, olhos semicerrados, queixo espetado para a frente, o espaço invadido de onomatopeias sussurradas - tchiiii, uhnnn, pfff...

Não queria dar-lhe a abébia de olhar descaradamente para ele. Por isso é que foi inventado o soslaio e a minha visão periférica é a de autêntica mosca.

No entanto, eram os pés dele que, irresistivelmente, atraíam  o meu olhar.

O poder magnético do joanete, dos dedos do meio encavalitados nos vizinhos do lado, calos no mindinho, tudo em grande agitação, esfregados um pé no outro, em comichões nervosas que acompanhavam os tchiiiii, uhnnnn e pfff.

Quando as duas chegaram ele baixou o jornal e ficou a olhar para elas, indeciso entre o protesto das claques e a conversa megafónica da 'cabra, sim porque ela é uma autêntica cabra'.

Mas rapidamente retornou a meter a cabeça entre as páginas, no seu mundinho. Autêntico homem bolha. Alheado da cabra.

Interiormente gabei-lhe a concentração.

- É muito nova, ainda...

- É nova para umas coisas e não é para outras...assim que chega o subsídio da velha estafa-o todo,  anda toda aperaltada  e  andam a sandes o resto do mês.

- A mim admira-me é o marido não fazer nada...

- O marido...o marido amocha que é bem mais velho que ela e bebe-lhe os ares...

- Ele há vidas...

O casal mais velho que tinha chegado primeiro, visivelmente incomodado, inicia o diálogo do despiste alguns decibéis abaixo.

- Queres agora as bolachas ?

- Não, só água, se faz favor.

- Também trouxe Sumol...

- Só quero água.

- Ah.. e banana, também trouxe bananas !

O meu neto ajuda à festa radiofónica com um discurso de protesto que acaba sempre num   'isto é uma seca' !

Cogumelos pululantes.Chapéuzinhos vermelhos, amarelos, azuis, verdes...às centenas.

Os colégios, as colónias, os grupos de acção, os jardins infantis, invadem a praia, delimitam o seu espaço com uma roda de toalhas e vão brincar para a beira mar.

E correm para pôr o chapéu e voltam pelo balde e vão para o banho e retornam para secar.

Deixam marcas de pezinhos de areia nas nossa toalhas, guinchos nos nossos ouvidos...e um conseguiu mesmo passar entre mim e o senhor da Bola.

Cercada por toalhas, chapéus, pessoas, mar e sons...babel horizontal com pedaços de vidas que somos obrigados a viver...

 - Não quero banana, quero água, água...chata !

 - Só perguntei por perguntar...

 - Tchiiiii, uhnnn, pffff

 - Ainda este mês comprou outro par de sandálias...

 - Ó André. ó Manel, ó Joâo,ó Rita, ó Vanessa, ó Rui....

 - Tudo sentado, limpar as mãos, vamos comer !

 - Ainda por cima bandeira encarnada, que grande seca !

 

Ai, se a minha rinite não aspirasse tanto pelo ar do mar...

Ai, se a praia não fizesse tão bem ao puto...


 S.Pedro do Estoril, 3/7/2008

 

 

 

sinto-me: mais ou menos de férias
publicado por entreparentes às 23:34
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