Quinta-feira, 27 de Setembro de 2007
Estou de regresso.
Voltei, mas ainda não trouxe comigo a vontade de escrever. Ficou perdida algures entre sustos de morte, pedras na vesícula e preguicite letal.
O que me vale é estar entre parentes virtuosos que sempre me ajudam a atravessar para a outra margem da crise.
Desta vez é a minha tia São. Deixem-me que a apresente para a compreenderem melhor quando ela começar a falar, que também fala que se farta. Pois, não há nada a fazer, é mal de família...
Ela é a minha tia mais nova, praticamente da minha idade e tenho com ela todas as afinidades do mundo, falar com ela é como falar para o espelho.
Desculpem, fui num instante ver a Sic Notícias...interromperam a entrevista do Pedro Santana Lopes para darem a chegada do Mourinho. O Santana ficou possesso e abandonou o directo a perguntar que país é este que dão mais importância a um treinador de futebol do que ao representante de um partido ? Pois por ele não saber que país é este é que nunca chega a lado nenhum. Por muito que ele queira, e parece que ele agora quer outra vez, não é um special one !!!
Onde é que eu ia ? Ah...a São.
A São foi publicitária. Não foi das primeiras mas quase.
Numa altura em que a profissão era tida como um pouco duvidosa para senhoras, a São entrou para criativa de uma grande Agência, ligada a uma ainda maior empresa multinacional, o que calou as vozes mais conservadoras do clã.
Passou a ter muito cuidado com o que dizia nas reuniões de família desde aquele dia em que escandalizou a tia Cassy ao afirmar que andava a tentar o posicionamento ideal para um cliente.
Atravessou três décadas a criar slogans, claims,spots e, agora, já retirada das lides, ri-se a ver os seus filmes passarem nas memórias do Imagens de Marca.
Ainda manda muitos palpites ao ver a publicidade de agora... que o puto que pede o preservativo no oculista merecia um prémio de interpretação e diz : Muito bom ! Bom casting ! Com o mesmo entusiasmo que às vezes resmunga Que nojo... E a gente mete-se com ela com a frase com que nos martirizou toda a vida...não é para si, não é o target !
Vive sozinha.Tem filhas que vê todos os dias, netos pequenos que entram e saem, às vezes comem, outras dormem e, isto, sempre à mistura com barras de chocapic, batatas bicho e bolas de Berlim, agora com o consumo reduzido por imposição das respectivas mães.
Mas já não se livra de ficar, para a posteridade, associada a coisas doces...pois se até a mais pequena, que começa agora a juntar palavras já pede - vóvó qué bolo !
Tirando esta agitação a casa fica quieta.
Em fundo há sempre o ruído da televisão acesa.
E há o sofá. Vermelho. Fetiche dela.
Já se lhe moldou ao corpo e tornou-se o refúgio seguro contra neuras instaladas.
Nele vive parte grande da sua vida !
Juntos gozam os CSI, House,Grey e mais tudo quanto assassine,cure,salve, até que os olhos fechem e ela acorde, no dia a seguir - torcida mas feliz !
Nele lê.
Nele se senta para comer, para ouvir música, para pintar as unhas, para escrevinhar...
Nele para não fazer nada. Só pensar.
Imaginar.
O que podia ter sido. O que foi. O que vai ser.
Ninguém sabe o que lhe vai na cabeça naquelas alturas.
Ela e o sofá vermelho.
Então, quando lhe atiram um sai já desse maldito sofá e vai aproveitar a vida, ela afina.
Não gosta que lhe ofendam o sofá...
No fundo ele talvez seja o símbolo perfeito da sua própria solidão.
Isto até podia ser deprimente se a minha tia São não fosse um bocadinho egocêntrica e achasse que a solidão é a grande oportunidade de estar com a melhor companhia do mundo - a imaginação dela.
Amanhã vou deixá-la falar de um das muitas historietas publicitárias que a gente ainda tem que aturar.
A vida dela dá pano para mangas o que é esquisito que ela usa sempre mangas à cava ! (o que eu tenho aprendido com ironias do destino )