Segundo escreve a historiadora Gabriela Carvalho no seu magnífico livro A Baixa de Lisboa -espaço de memória, local de encontro, com lindíssimas fotos de Homem Cardoso, a Ginjinha do Rossio foi fundada em 1840 e a sublinhar a decoração das portadas, ainda da época, alguns versos do mais fino teor:
É mais fácil com uma mão
dez estrelas agarrar
fazer o sol esticar
reduzir o mundo a grude
mas ginja com tal virtude
é difícil encontrar.
Pronto, já posso desfazer a vénia.
Esta coisa de escrevermos enquanto fazemos a 'devida vénia' quando citamos alguém é muito incómodo para as cruzes...
Voltemos às ginjinhas.
Foi com elas que apanhei a minha primeira piela.
A primeira vez que as provei foi exactamente na Ginjinha do Rossio.
Entrámos, eu e o meu pai, e ele pediu uma ginjinha e um capilé para a miúda !
Acho que hoje já não há capilé como aquele...
Mas foi então que aquela ginjinha, gorda, castanha, brilhante, ficou a descoberto no cálice do meu pai.
- Ó pai dá-me a ginjinha.
O meu pai hesitou, afinal eu teria para aí uns 8 anos.
- Dá lá...
E ele deu.
Com a boca ainda doce do sabor a caramelo do capilé o primeiro impacto foi de arrepio, de ardor.
Mas depois gostei.
So far so good...
Ora acontece que todos os anos a minha avó Isabel fazia dois licores - de tangerina e de ginja.
O de tangerina não tinha nada que saber. Muitas vezes ajudei a tirar a parte branca das cascas. Depois era só aguardente, açúcar e tempo.
Já o das ginjinhas tinha muito enredo.
Começa que era feita com álcool muito fraquinho, para aí a 30º.
Lembra-me de ela dar a receita a muita gente:
O mesmo de ginja que de álcool, o dobro de açúcar, ou seja meio quilo de ginja, meio litro de álcool, um quilo de açúcar
Mas no ritual da receita é que estava o segredo. A magia,o mistério, alquimia.
A garrafa da ginjinha era grande e tinha a boca larga.
Primeiro entravam as ginjinhas com o álcool.
Rolha, garrafa tapada mais de um mês.
Passado esse tempo ela levava ao lume uma caçarola com água e quase o açúcar todo, com dois paus de canela e uns 3 cravinhos da India, e deixava ferver uns minutinhos.
Depois vinha o bem bom.
Numa frigideira o restante açúcar e um pouco de água iam ao lume até ficarem em ponto de caramelo.
Bem dourado, quase castanho para dar ainda mais cor ao licor.
Tudo misturado para dentro da garrafa (menos a canela e o cravinho senão amarga.)
E tempo.
Que lá em casa não lhe davam muito.
O licor desaparecia e ficavam ali, amontoadas, solitárias, as ginjinhas.
Um dia acabei-lhes com a solidão.
O mal tinha sido provar aquela outra. A primeira. A do Rossio.
De Mundo de Aventuras na mão fui-me a elas. O Mandrake com o seu fiel Lotário. eram os maiores...fui lendo e fui comendo, quando a minha avó descobriu já só havia um montão de caroços e uma neta meio agoniada, cabeça zonza e um estúpido sorriso nos lábios !
A garrafa da ginjinha passou a estar fechada a sete chaves.
Mas eu sabia onde elas estavam...
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