Esta fotografia tem seguramente ...muitos anos !
Não me lembro do fotógrafo, pela mão de quem fui, da saia plissada, da blusa de renda feita pelas mãos de ouro da minha mãe, da meia a vincar-me a perna, nem sequer dos espampanantes laços que deviam ser a minha vaidade !
Mas recordo ao pormenor a malinha...meio mala, meio saco, flores bordadas a lã, meio minhota, meio saloia,com forro de tafetá vermelho, guardava botões, tostões, rebuçados e outra tralha miúda que eu entendesse por tesouro.
Por causa destas e de outras ( especialmente de outras) é que eu gostava de saber como é que a coisa funciona no universo das meninges.
Tenho uma vaga ideia.
Lembram-se nas naves espaciais tipo Star Track , aquelas câmaras transparentes com tampa onde eles dormiam meses a fio, enquanto outros conduziam a nave a bom planeta ?
Pois é mais ou menos assim que eu acho que tenho as minhas memórias arrumadas, aconchegadas por mantinhas de neurónios aos retalhos.
Um perfume, uma palavra, um sabor, uma música, uma paisagem....
Qualquer coisinha serve para fazer saltar a tampa às memórias !
Às vezes chegam alegres, boas, gostosas, atravessam prazenteiras os sentidos e a gente deixa-as perpassar lentamente, saboreando cada momento.
As que carregam tristezas, saudades e dor, essas mando-as de volta.
Estalo o chicote e elas regressam, quietas e mudas, para a caminha delas.Com tampa.
Tenho treinado muito.
Estou cada vez melhor. Já sou tão rápida que nem dá para sofrer.
Amestradora de memórias.
Domadora de recordações.
Domesticadora de lembranças.
Isto tudo vinha a propósito de quê ?
Ah, sim, duma mala às flores de boa memória !